eu
que tenho todo o blues do mundo dentro de mim
como que traficado e forçado em cativeiro
que tenho todo o blues do mundo dentro de mim
como que traficado e forçado em cativeiro
como vaga desalentadora dos refluxos da tarde
eu
que no corpo corre a eletricidade das tormentas
o pior mar de tufão que se pode enfrentar
o estranho que passa caminhante pelo mundo
o mais fluido azul-marinho-língua-de-serpente
eu
que tenho toda a solidão do mundo
naufragando praças desertas
naufragando praças desertas
sem cheiros e sem crianças brincando
brilhando minhas asas que não me tiram do chão
brilhando minhas asas que não me tiram do chão
sou arremessado às vastidões e aos corações que
gritam
compreendo que os monumentos são feitos de prudência
e que quem constrói as melhores edificações, dificilmente
um dia vai nelas morar
e que quem constrói as melhores edificações, dificilmente
um dia vai nelas morar
e que os comunistas, todos eles o são somente
para si
e que os capitalistas, o são somente para eles
mesmos
eu quero ver abandonar-se às vastidões da miséria
por causa própria,
repartir o pão em pedaços idênticos,
repartir a alma em amores sem cortinas
reparir os inimigos e lutar junto a eles contra a
chuva,
abraçar os sapatos usados e trazidos pela maré
liberar-se do conforto dos recalques
espelhar os abismos e rir deles aos gargalhões
derrubar todas as janelas e paredes
deixar a noite entrar irizada
como um farol suturando as meninas prostitutas
beijar o maiúsculo das miragens dos mendigos
cravar um escorpião em seu próprio coração de
veneno poção
parar para que os lábios gozem a cerâmica
arabesca
sentir o verdadeiro naufrágio dos crepúsculos
derrotados
quero ver com que mentira continuarão defendendo suas
ideologias de butique
quero ver quem vai varrer a sujeira toda depois
da festa
quero ver quem vai filtrar o outono,
destilar o inverno e macerar o aroma da
primavera,
quero ver quem vai respirar as veias e as valas
quem vai colher as lágrimas germinadas, premidas
de ocaso e fruto
quem vai alimentar a aurora com as proporções dos
caules e raízes
quero ver quem vai pegar o vento dos pés e sair
caçando o punhal transparente do desejo
quem vai pegar a fumaça das palavras e erguê-las
como um bordado louco e livre
quem vai pegar as gramas construídas, impalpáveis
a identidade das aparências
o prelúdio líquido e espesso das muralhas
as etiquetas inúteis do seu amor comprado
a vigilância das bibliotecas inquestionáveis e
aposentadas
a ilha dos lábios prontos e consumistas
a fúria e as vertigens da fome
o voo do mundo repartido na opressão do preço
vejo o prelúdio da ultrapassagem
vamos beijar a lapela da primavera
vamos beijar a lapela da primavera
esse é o fim próprio das estações e dos emblemas
o sopro da frase
a brisa perfume de jasmim
o verso destronador de sentenças
agora entendo a extensão da liberdade:
ela continua, sempre e somente, um passo adiante
de nós
27/09/11