terça-feira, 25 de março de 2014

Pier dramalhão




O céu potável já me entra inteiro goela abaixo;
aqui,  pode o pier se dar conta de sua linha reta
dentro do escuro.

O último acorde do verão
entra cheio de dissonâncias e encontra
o céu férias de menino
para quem as canções eram perfeitas e dispensavam destinos.

Para ser de acordo tácito,
o mar e as pedras do pier dramalhão
arrebentam-se,  última lambida
que sobe pulverizada aos ares
e aterriza como chicote no solo.

As ondas que estouram na pedraria
fazem sua parte e vão encurtar distâncias
que buscam ilusão e trapaceiam
à vista dos barcos constantes do horizonte.

Quantas distâncias para purificar os ditados da tarde
 – que cai – e a partir do leste,
o escuro vai engolindo
gentes, casas, areias, mato
e cospe o início ofuscante das estrelas,
desenhando arcanjos
e a lua escarpada que aparece círculo corcunda
na perspectiva apoiada da quina mais alta do muro baldio.

Do outro lado, n´oeste
há vermelhidão e o sol cabeça a prêmio:
restolho do dia.

Do lado de lá, oeste cabaneiro
desfraldando suas velas em busca de um sempre sol adiante.

Para quem fica, a lâmina do anoitecer avança pelas planícies,
e vai comendo gramados, plantações, águas, morros
toca harpas limpas sobre tanta coisa que falta:
troca o arvoredo por uma massa cinza de escuro.

Por fim,
as pálpebras do verão deixam ver a faca
perecível dos ventos,
o baço das esperanças da cor de madeira lírio,
e o líquido das frutas que inundam os armazéns portuários,
porque zombam da pureza e da destreza descalça,
estação do sul em lento apodrecer junto à fina casca
de seus amantes.

E quanto a pertencer, fico aqui
no escuro pier polvilhado de galáxias.

Anjos de mãos dadas
tocam por dentro da hora,
herdam o mapa rascunho e rasteiro do céu.
E eles me dizem: ‘Somente o tempo dirá’.

Somente o tempo dirá,
e em partes separadas estarão aqueles que vieram e disseram,
daqueles que se inflaram como balões cheios de vazios coloridos.

E eles, os anjos de mãos dadas
também dizem que eu – e os corajosos – ainda estaremos por aí,
por muito tempo depois que nos formos.

Enquanto isso, iscas de plástico, varas de pescar, estrelas,
sonhos, cabeças de peixe
e muita onda a estourar para sempre no pier dramalhão.
               
14/março/14