sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Sol frio

Pieres do mundo irmanam-se
como apêndices suturados
enquanto a tarde afoga-se
em nada a perder: ou ganhar.

Um dia voarei
até onde as estrelas precipitam seus alforjes
niquelados na flor e na pele do espaço,
na doçura da chuva que fala pouco,
no vento guardado pelas enseadas,
nas gotas de chuva carregada de cristais-prata de areia
em face do transplante da estação
sob a formação de aves migratórias.

Eu, agora, batendo fortemente as asas,
desobedeço para ser mais do que me permite o mundo.

Um dia voarei galáxias,
desafio aberto à astrofísica derramada pelos homens.
Nós: pequenos.

Vou te dizer que tremulam ao sol
as linhas d´água no voo e no canto da cigarra sozinha. 
Um dia voarei para sempre.

Um dia voarei para sempre
embalado pelo tênue vento mártir,
sacudido em suaves lágrimas 
da chuva arco-irisada
como portal do frio
e dos campos selvagens,
com uma doce canção ao fundo.
E os cristais do chão falando a língua do brilho
depois que a chuva passa,
a fonte sem dono com lua nova,
o pastor de ovelhas medindo os braços do tempo.

Estamos nos lábios da chuva que se foi
e no corpo do vento com cheiro de novo
diante do sol manso
no palco sigiloso
da chuva quiçá.

Olha o chão:
é uma saudade sem cuidados:
uma bravura de cantar até ao peito explodir.
Diga-se, o coração de um poeta
ocupa um estaleiro inteiro,
ancorado para sempre,
para sempre arrebentar cordas
perder âncoras
voar na direção dos poentes,
em silêncio, vaga-lume
em nada a perder: 
ou ganhar.


Álvaro Nassaralla
04/out/14