quinta-feira, 30 de julho de 2015

PAREM DE ROUBAR OS ÍNDIOS


Alvaro Nassaralla
29/07/15


 
Disponho meu cocar ao impiedoso cair de folhas
antes que seja tarde demais
até nos estranharmos diante de desfiladeiros da memória
que remove raças inteiras
e faz parecer irrelevante que se lute.

Você duvida que eu seja indígena?

Pois tenho um pouco de cada sangue em minhas veias
e um muito de verdades
e mitos bem fundamentados
nos ancestrais do Planeta.

Com qual dignidade se nos apresenta a civilização
para abastecer a escravidão do conforto?

Por acaso a mentira é a irmã coroada
com as glórias da fama
e a fútil estrela distorcida nos edredons das notícias
onde reza nossa mais remota esperança de liberdade?

Estarão para sempre
os labirintos das matas,
mapas fáceis ao nativo,
marcados a flor e humus,
salmo das cascas arvoridas
destinadas ao bolor dos cogumelos morenos,
nascidos profundos dos aguaceiros,
e mais demais da mesma e sempre
dinastia da umidade sanguinária das
madeiras?

Sei que livre de trilhas é o índio:
casa aberta por entre floreiras – filhas
da maçagada florã – em que se trata
de saber de cor e bater a mão espalmada nos troncos
para abrir caminho às tratações do caipora:
senta-se proteção aos bichinhos.

Meu cocar dispõe-se em sangue
que brota indígena
sangue meu e seu
onde é comum branco proprietar-se
das terras que nem mesmo
quem lá nasceu e roçou de mata seu crescimento,
nem mesmo eles,
sabiam que pedaço de chão tinha dono.

Antes e sempre,
impiedoso cocar do tempo
que julga
e gradua sentença
até mesmo
quando todos se esquecerem
do que foi, um dia, um índio.

quinta-feira, 23 de julho de 2015

Ocaso franco atirador


Imagem encontrada em www.derrickjknight.com


OCASO FRANCO ATIRADOR

Alvaro Nassaralla (14/jul/15)

Joguei ao mar minhas alegorias
e agora parece-me pura fragrância de sorte
que as encontre como peixes devolvidos nas ondas.

Silêncio é o que me caminha
enquanto um vento vazio dobra de estação.
Entra-me amor ao fôlego de guelras guerreiras:
quais dúvidas as que mais respondem o que não queremos?

Aprendi na aventura de uma tarde
que o mais difícil é Deus
ou o mais fácil é Deus.

A velocidade desoladora da noite (restolho do dia)
é do que gosto,
do gosto de estar na vida para não ter nada a perder.

Por isso, ocaso franco atirador dos derrames:
lilases luas cheias vêm para depredar sentidos.

Assim, o dia avilta o morno das calmarias,
o espelho amarelo rosado das lagoas
sob os estilhaços de uma linha de palmeiras
em que me arrependo nada conformado.

Tesouros são seus olhos na luz da tardinha
acartonando o desenho de luz que o sol faz
dos morros em silhueta,
enquanto baba a lagoa ao espelho da calmaria
e a lavanda lanha o que me restou de são
quando diante de ti.

Na dúvida, agrido a essência movediça das palavras,
autuo o céu escarpado,
franco atirador das misérias de cada dia cada um,
e assim por diante
de carne e osso
prevalecem notícias que tendem a mães
e mãos travessas
apagando lutas e caminhos fundos
na alma calcinada,
por ter dos sentidos
a alegria intérprete das nuvens
no crescente
adensamento da pouca luz.

No ocaso franco,
acho as ilusões caminhando em algum lugar
e por serem as primeiras e últimas a partir,
sou-me a sorrir agradecido,
agradecido e criança.

Regra geral, crianças desfazem-se das alegrias
para serem mais.

Pelo menos, tento mais,
refaço-me mais.


segunda-feira, 20 de julho de 2015

Confissão de Mario Quintana

 
“Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão”.

Mario Quintana

sexta-feira, 17 de julho de 2015

Tavinho Paes continua totalmente demais


Dupla de livros lançados em junho de 2015

 
Tavinho Paes, poeta multimídia e letrista de músicas como Radio Blá (gravada por Lobão) e Totalmente Demais (gravada por Hanói Hanói), lançou mês passado seu novo livro de poesias. Aliás, livros. É uma dupla de livros chamados 'O motor' e 'Compacto'.

Agora vou deixar apenas um trecho de 'O motor'. Depois faço mais comentários. De antemão, recomendo! 

"Sou eu quem transforma a paixão da sua vida no amor da sua morte / eu tenho a foice que há de cortar sua cabeça na hora em que não lhe for mais possível escapar do cadafalso /embaralho suas ideias cretinas, confundo seus sentimentos pela minha pessoa e aprofundo sem limites o seu medo por tudo que lhe for desconhecido / sei me desviar das flechas do cupido que lhe engana / se me quiser para orgias do sexo mais sujo e perverso que você possa imaginar, saiba que só me terá se me associar a um pecado para o qual não haja desculpa nem um perdão que possa ser aplicado / eu sou a cela da cadeia que lhe aguarda, uma masmorra tão transparente quanto a tampa da tua privada, eu sou o seu hospício, a sua camisa-de-força, seu sarcófago apertado".


Tavinho Paes
O Motor

 
O poeta

Para finalizar, fiquem com essa brilhante análise que Tavinho me enviou:

"São dois livros sobre o mesmo assunto: uma "paixão" vivida em tempo real por alguém (mais real impossível) que virou um "amor" e que, por contingências do destino (e desequilíbrios da psique), transformou-se numa Maldição de Áquila (enquanto "amor") e numa Síndrome de Stockholm (enquanto Paixão)...

... duas PÉROLAS ... duas obras de arte (tanto o livro e seu design - desde as capas nas quais, com introdução escrita em letra de bula de remédio, traduzem uma charada filosófica; quanto os conteúdos literários, onde os poemas foram escritos para serem falados com as pausas e a respiração exatas)...

outra curiosidade é que, dependendo da ordem em que são lidos, fixa-se uma formatação para a paixão relatada e uma solução para o enigma filosófico engendrado: se no MOTOR a dualidade da Paixão versus o Amor em Platão (via Sócrates, é claro) indica que "EU TENHO DIREITO À FELICIDADE", no COMPACTO, isso é tratado pela Ditadura desta felicidade, imposta pelos padrões atuais, pós-modernos, longe das utopias, sem metafísica ou dialética: EU TENHO A OBRIGAÇÃO DE SER FELIZ!"

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Isso é coisa de Branco

Beto Dornelles 
(21/jun/15)


Isso é coisa de Branco.

Escravidão, isso é coisa de Branco
Política, isso é coisa de Branco
Usura, flagelo, desprezo, isso é coisa de Branco
Infelicidade,
Se tá com fome o planeta
Isso é coisa de Branco
O turismo na favela ou no Cristo Redentor, isso é coisa de Branco

A falta de direitos
A intolerância
O nazismo o facismo, a ditadura militar no Brasil
E a tal da BOMBA ATÔMICA, isso é coisa de Branco

Todos SUPER HERÓIS,os desenhos animados WALT DISNEY
Isso é coisa de Branco

A Revolução Industrial
Tantas horas de trabalho
E o dinheiro que você não vê
Isso é coisa de Branco

O seu carro importado
The new vocabulary in the world
E o meu perfume francês
Isso é coisa de Branco.

quinta-feira, 2 de julho de 2015

CÉU DO LADO ERRADO

 
 
Para Caetano e Gil que não aderiram ao boicote de shows em Israel

Alvaro Nassaralla
(20/jun/15)

Quem anda por aqui
anda do lado errado,
nos abismos das milícias estreladas,
capaz de nuvens manga-largas
no fundo do céu.
Saturno em escorpião
faz errar pelas rotas
como melhor opção.

Está nos olhos a palavra cruel dos meses,
e o tempo da orla não é o do cerrado:
de todos os lados
lobos e urubus dão-se as mãos
arremetendo carga às carniças.

O homem pode viver para si
e esquecer que do lado errado
vive o inverno e o aroma arado da neblina,
e que para o coração,
só vale se for de tremer.

Do lado errado,
as nebulosas brincam abarrotadas de crianças
e as luas e fragatas,
como nunca bastasse enredo
caminham lácteas de desatino
para além do destino.

De antemão,
cometer e varrer espaços errados
é para cometas,
que andando no mar silencioso do infinito
bebem de feridas,
trigam da luz promíscua que o sol arremata 
ao astrolábio da tarde navegada.

O homem pode viver para si
mas não entender porque todos os retratos 
estão em branco.

O homem pode viver para si
mas os percursos importantes não serão construídos:
eles mesmos se constroem.

O homem pode viver para si:
e nunca mesmo saber
que o que lhe é mais caro,
aqui do lado errado,
não pode ser comprado.