quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

CÉU CINZA (ou Como os Loucos Amam)

A. Nassaralla
(10/dez/15)

À Inajara


Encrespa-se o mar dotado chumbo
lambendo a superfície da carcaça do dia absolvido na dor
de ser quem se busca em lascas de amor remendado,
ao amor inteiro de quem encontra;
bromélias açucaradas por pavor de dar-se à embriaguez,
que assim aparvalhado é quem ama,
como o é imperdoável quem acompanha o desamor e o sem fim das horas,
o tiquetaquear dos ponteiros trançando-se pernas,
tropeçando a moda de trilhos vergados e elegidos de desvios.

De volta aos amantes,
são nuas as estrelas por cima do céu cinza
como o são as paixões e a delícia da chuva e das trovoadas livres:
agarrar-me a ti como a um último istmo,
última membrana de enseada,
último casquilho de terra,
última lasca de boca à deriva
para um mar que puxa e quer à perdição.

Serão os tons da história
os mesmos para todos os que amaram,
não importa a era,
não importa o sangue,
não importa nada?

O perdão forma o caminho das estrelas
resistentes na madrugada estrebuchante
diante dos que desafiaram o poder dos homens
em nome do amor,
em lume das estrelas cadentes,
acreditando que a vida é o complemento da morte,
e o sonho, a sanidade tecida
e roubada.

Nesses dias de inesperado frescor
eis que dou de cara com a solidão mais legítima
e hoje na vida tenho uma coleção delas,
em partições de almoxarife,
vendo ainda mais 
a noite corrompida de estrelas
e a mancha láctea
a vestir-se com leve seda translúcida 
de mínimo franzido
na sua sutil
ora maior ora diminuta
transparência
contra o fundo do céu.

É nesse sentido tenebroso
que passam agora a perder esses mesmos sentidos.
Estou seduzido num cavalo à disparada de montaria
e com os punhos cerrados batendo-se ao ar,
busco as margens para ver que há o meu amor,
que ela me espera com olhos calmos
e que o mais precioso a se ter
são seus olhos a me fitar
e que, carnívoro, entro na tempestade furtiva e louca
dos perdidos,
lanço-me à rapinagem com as aves mergulhando 
despenhadeiros da miséria humana,
e finalmente - graças,
quedo à força das coxas delicadas 
e do que ela, mulher amada, já sabe para mim,
quando o dela amor fere a turbulência
sangra com luz turquesa os mananciais loucos da ventania
do meu ser,
livra-me novamente de mim.
Desenterra e sagra o meu amor. Tinto.

Acho que o paraíso é isso.